ERAM seis horas da tarde.
O sol se punha rapidamente e a noite, descendo do céu, envolvia a terra nas sombras.
Soprava um forte vento de sudoeste, que desde o momento da partida atrasava a nossa viagem; nossa luta era contra o mar e o vento.
O velho pescador, morto de cansaço e de sono, estava quase sem forças; o seu remo, que no início saltava sobre as ondas como um peixe, agora apenas batia de leve na água.
Eu, recostado na popa, e com os olhos fixos na linha azulada do horizonte, esperando ver a cada momento aparecer o perfil do meu belo Rio de Janeiro, começava seriamente a ficar impaciente.
À medida que o dia terminava, que as sombras cobriam o céu, um sentimento de tristeza e melancolia da noite no meio das ondas, tomavam conta do meu espírito.
Nesses momentos de reflexão, pensava que teria sido mais prudente esperar o dia seguinte e fazer uma viagem breve e rápida, do que ficar sujeito a mil contratempos e mil perigos, que no fim das contas nada adiantavam.
Na verdade já tinha anoitecido; e, ainda que conseguíssemos chegar à cidade por volta de nove ou dez horas, só no dia seguinte poderia ver Carlota e falar com ela.
Que adiantava toda a minha impaciência? Eu tinha matado um animal, tinha incomodado um pobre velho, gasto um monte de dinheiro, que poderia usar para ajudar alguém e feito essa caridade em nome e para lembrança dela.
Comecei a formar em minha mente uma triste idéia de mim; no meu modo de ver então as coisas, parecia que eu tinha feito do amor, que é uma sublime paixão, apenas uma estúpida mania; dizia a mim mesmo que o homem que não domina os seus sentimentos, é um escravo.
Tinha-me tornado filósofo, minha prima, mas com certeza você entenderá a razão.
Rodeado de água, dentro de uma canoa, por conta do vento e do mar, não podendo fazer nada para chegar ao meu destino a não ser esperar, só me restava lamentar e me arrepender do que tinha feito.
Por um momento pensei em me atirar na água e vencer a nado a distância que me separava dela; mas era noite, não tinha a luz para guiar-me, e me perderia naquele imenso mar.
Na verdade, do jeito que me encontrava aflito, eu nem sabia mesmo de que lado ficava a cidade.
Esperei então, e me arrependi sinceramente.
Dividi com o meu companheiro o lanche que tínhamos trazido; e fizemos um verdadeiro papel de contrabandistas ou piratas.
Caí na besteira de obrigá-lo a beber uma garrafa de vinho do Porto, eu bebi outra para acompanhá-lo. Pensava que deste modo ele renovaria as forças e chegaríamos mais depressa.
Quando acabamos a nossa magra refeição, o pescador começou a remar com uma força e um vigor que me reanimaram a esperança.
Assim, docemente envolvido pela idéia de vê-la e pelo barulho das ondas, com os olhos fixos na estrela da tarde, que desaparecia no horizonte e me sorria como que para me consolar, senti meus olhos fecharem-se, e dormi.
Quando acordei, minha prima, o sol derramava seus raios de ouro sobre o manto azulado das ondas: era dia claro.
Não sei onde estávamos; via ao longe algumas ilhas; o pescador dormia na proa, e ressonava como um bebê.
A canoa tinha vagado por conta da corrente; e o remo, que caiu naturalmente das mãos do velho, no momento em que ele cedeu à força invencível do sono, tinha desaparecido.
Estávamos no meio do mar, sem poder dar um passo, sem poder nos mexer.
Aposto, minha prima, que você acaba de dar uma risada, pensando na situação engraçada que eu estava vivendo; mas seria uma injustiça zombar de uma dor profunda, de uma angústia cruel como a que sofri naquele momento.
Os minutos e as horas, corriam de decepção em decepção; alguns barcos que passaram perto, apesar dos nossos gritos, seguiram o seu caminho, não podiam imaginar que com o tempo calmo e tranquilo que fazia, houvesse algum perigo para uma canoa que boiava tão levemente sobre as ondas.
O velho, que tinha acordado, nem se desculpava; mas a sua aflição era tão grande que quase me comoveu; o pobre homem arrancava os cabelos e mordia os beiços de raiva.
As horas correram assim nessa agonia do desespero. Chateados um com o outro, talvez culpando-nos mutuamente do que acontecia, não dissemos uma palavra, não fizemos um gesto.
Por fim anoiteceu. Não sei como não fiquei louco, lembrando-me de que estávamos no dia 18, e que o navio devia partir no dia seguinte.
Não era somente a idéia de uma ausência que me afligia; era também a lembrança do mal que ia causar a ela, que, não sabendo o que se passava, pensaria que eu era egoísta, acharia que eu a havia abandonado e que tinha ficado em Petrópolis, me divertindo.
Fiquei aterrorrizado com as conseqüências que poderia ter esse fato sobre a sua saúde tão frágil, sobre a sua vida, e me condenava já como assassino.
Lancei um olhar alucinado sobre o pescador e tive vontade de abraçá-lo e atirar-me com ele ao mar.
Oh! como sentia então o quanto o homem não é nada e a fraqueza da nossa raça, tão orgulhosa de sua superioridade e do seu poder!
De que me serviam a inteligência, a vontade e essa força invencível do amor, que me conduzia e me dava coragem para desafiar vinte vezes a morte?
Alguns metros d'água me retinham e me encadeavam naquele lugar como a um poste; a falta de um remo, isto é, de três palmos de madeira, criava para mim o impossível; um círculo de ferro me prendia, e para quebrar essa prisão, bastava-me que fosse um animal irracional.
A gaivota, que voava sobre as ondas com a ponta de suas asas brancas; o peixe, que fazia cintilar um momento seu dorso de escamas; o inseto, que vivia no meio das águas e plantas marinhas, eram reis dessa solidão, na qual o homem não podia sequer dar um passo.
Assim, blasfemando contra Deus e sua obra, sem saber o que fazia nem o que pensava, me entreguei à Providência divina; embrulhei-me no meu casaco, deitei e fechei os olhos, para não ver a noite passar e o dia nascer.
Tudo estava calmo e tranqüilo; as águas nem se moviam; apenas passava sobre o mar um sereno fino, que se diria hálito das ondas adormecidas.
De repente, me pareceu sentir que a canoa deixara de boiar à deriva; pensando que fosse ilusão, não me importei, até que um movimento contínuo e regular me convenceu.
Afastei a aba do casaco e olhei, com medo de me iludir; não vi o pescador; mas a alguns passos da proa percebi os rolos de espuma que formavam um corpo, agitando-se nas ondas.
Aproximei-me e vi o velho pescador, que nadava, puxando a canoa por uma corda que amarrara à cintura, para deixar-lhe os movimentos livres.
Admirei essa dedicação do pobre velho, que procurava remediar a sua falta fazendo um sacrifício que eu achava que era inútil: não era possível que um homem nadasse assim por muito tempo.
Dito e feito, passados alguns instantes, ele parou e saltou ligeiramente na canoa com medo de me acordar; a sua respiração fazia uma espécie de burburinho no seu peito largo e forte,
Bebeu um pouco de vinho e com o mesmo cuidado caiu na água e continuou a puxar a canoa.
Era alta noite quando nesse ritmo chegamos a uma espécie de praia, que teria quando muito duas dois quilômetros. O velho saltou e desapareceu.
Olhando para aquela escuridão, vi uma luz, que não pude distinguir se era fogo, se luz, senão quando uma porta, se abrindo e pude ver o interior de uma cabana.
O velho voltou com um outro homem, sentaram-se sobre uma pedra e começaram a falar em voz baixa. Comecei a ficar com medo; na verdade, minha prima, só me faltava, para completar a minha aventura, ter que lidar com ladrões.
A minha suspeita, porém, era injusta; os dois pescadores estavam à espera de dois remos que uma mulher lhes trouxe, e imediatamente embarcaram e começaram a remar com uma força espantosa.
A canoa resvalou sobre as ondas, ágil e veloz como um peixe.
Ergui-me para agradecer a Deus, ao céu, às estrelas, às águas, a toda a natureza enfim, o raio de esperança que me enviavam.
Uma faixa vermelha já se desenhava no horizonte; o oriente foi-se esclarecendo pouco a pouco, até que deixou aparecer o disco luminoso do sol.
A cidade começou a surgir, linda e graciosa.
A cada movimento de impaciência que eu fazia, os dois pescadores dobravam-se sobre os remos e a canoa voava. Assim nos aproximamos da cidade, passamos entre os navios, e nos dirigimos à Glória, onde pretendia desembarcar, para ficar mais próximo da casa dela.
Em um segundo tinha resolvido o que faria; chegar, vê-la, dizer-lhe que a queria, e embarcar nesse mesmo navio em que ela ia partir.
Não sabia que horas eram; mas há pouco havia amanhecido; tinha tempo para tudo, Eu só precisava de uma hora. Trocar dinheiro para Londres e a minha mala de viagem eram tudo o que eu precisava preparar; podia acompanhá-la ao fim do mundo.
Já via tudo cor-de-rosa, sorria e pensava na surpresa que ia fazer a ela que não me esperava mais.
A surpresa, porém, foi minha.
Quando passava diante do porto, descobri de repente o barco inglês: tinha começado a se mover vagarosamente em direção ao mar.
Carlota estava sentada sob o toldo do navio, com a cabeça encostada ao ombro de sua mãe e com os olhos no horizonte, na direção do lugar onde tínhamos passado a primeira e última hora de felicidade.
Quando me viu, fez um movimento como se quisesse lançar-se para mim; mas conteve-se, sorriu para sua mãe, e, cruzando as mãos no peito, ergueu os olhos ao céu, como para agradecer a Deus, ou para dirigir-lhe uma prece.
Trocamos um longo olhar, um desses olhares que levam toda a nossa alma e a trazem ainda palpitante das emoções que sentiu no outro coração; uma dessas correntes elétricas que ligam duas vidas em um só fio.
O vapor do barco, soltou um gemido surdo; as rodas abriram as águas; e o monstro marinho, rugindo, lançou-se ao mar.
Por muito tempo ainda vi o seu lenço branco agitar-se ao longe, como as asas brancas do meu amor, que fugia e voava ao céu.
O barco sumiu no horizonte.
É isso aí , oque um bom trabalho não gera ?
ResponderExcluirVemos o resultado agora de todo o esforço e talento
que a prof° Nilza tem . Deviamos elegê-la como Prefeita
de nosso municipio , e depois , presidente do Brasil !!!!
Nilton Ferreira Jr
Gostaria de parabenizar todos os alunos pelo ótimo trabalho que estão desenvolvendo. Aproveitem este espaço para colocar suas idéias.
ResponderExcluirMárcia