
Assim ficamos muito tempo imóveis, ela, com a cabeça apoiada sobre o meu peito, eu, sob a impressão triste de suas palavras.
Por fim ergueu a cabeça; e, recobrando a sua serenidade disse-me com um tom doce e cheio de tristeza:
— Não pensa que melhor é esquecer do que amar assim?
— Não! Amar, sentir-se amado, é sempre uma alegria imensa e um grande consolo para a desgraça. O que é triste, o que é cruel, não é essa viuvez da alma separada de sua irmã, não; aí há um sentimento que vive, apesar da morte, apesar do tempo. É, sim, esse vazio do coração que não tem uma afeição no mundo e que passa como um estranho por entre os prazeres que o cercam.
— Que santo amor, meu Deus! Era assim que eu sonhava ser amada! ...
— E me pedia que te esquecesse!...
— Não! não! Fica comigo; quero que me ame ao menos...
— Não me fugirás mais?
— Não.
— E me deixará ver o rosto aquela que eu amo e que não conheço? perguntei, sorrindo.
— Deseja mesmo me ver?
— Imploro-te!
— Não sou eu tua?...
Corri para a saleta onde havia luz e coloquei o lampião sobre a mesa da sala em que estávamos.
Para mim, minha prima, era um momento solene; toda essa paixão violenta, incompreensível, todo esse amor ardente por um vulto de mulher, ia depender talvez de um olhar.
E tinha medo que desaparece, como um fantasma diante da realidade, essa visão poética de minha imaginação, essa criação que resumia todos os tipos.
Foi, portanto, com uma emoção extraordinária que, depois de colocar a luz, voltei-me.
Ah!...
Eu sabia que era bela; mas a minha imaginação apenas tinha esboçado o que Deus criara.
Ela me olhava e sorria.
Era um ligeiro sorriso, uma flor que se abria nos seus lábios, um reflexo que iluminava o seu lindo rosto.
Seus grandes olhos negros fitavam em mim um desses olhares serenos e aveludados que acariciam a alma.
Um anel de cabelos negros brincava-lhe sobre o ombro, fazendo sobressair a brancura de seu colo gracioso.
Tudo quanto a arte tem sonhado de belo desenhava-se nela, naqueles contornos harmoniosos que se destacavam entre as ondas de cambraia de seu roupão branco.
Vi tudo isto de um só olhar, rápido, ardente e fascinado! depois fui ajoelhar-me diante dela e fiquei a contemplá-la.
Ela me sorria sempre e se deixava admirar.
Por fim tomou-me a cabeça entre as mãos e seus lábios fecharam-me os olhos com um beijo.
— Você me ama, disse.
O sonho desapareceu.
A porta da sala se fechou atrás dela. Tinha fugido.
Voltei ao hotel.
Abri a minha janela e sentei-me olhando a noite.
A brisa trazia de vez em quando um aroma de plantas que me causava íntimo prazer.
Fazia lembrar-me da vida no campo, dessa existência doce e tranqüila que se passa longe das cidades, quase no meio da natureza.
Pensava como seria feliz, vivendo com ela em algum canto isolado, onde pudéssemos abrigar o nosso amor em um campo de flores e de relva.
Imaginava um sonho encantador e sentia-me tão feliz que não trocaria a minha cabana pelo mais rico palácio da terra.
Ela me amava.
Só essa idéia embelezava tudo para mim; a noite escura de Petrópolis parecia-me poética e o barulho triste das águas do do canal era agradável aos meus ouvidos.
Uma coisa, porém, perturbava essa felicidade; era um ponto negro, uma nuvem que escurecia o céu da minha noite de amor.
Lembrava-me daquelas palavras tão cheias de angústia e tão sentidas, que pareciam explicar a causa de sua reserva para comigo: havia nisto um qualquer coisa que eu não compreendia.
Mas esta lembrança desaparecia logo sob a impressão de seu sorriso, que eu tinha em minh'alma, de seu olhar, que eu guardava no coração, e de seus lábios, cujo contato ainda sentia.
Dormi embalado por estes sonhos e só acordei quando um raio de sol, alegre e travesso, bateu em meus olhos para dar-me o bom dia.
O meu primeiro pensamento foi ir até a minha casinha; estava fechada.
Eram oito horas.
Resolvi dar um passeio para disfarçar a minha impaciência; voltando ao hotel, o criado me disse que haviam trazido um objeto que recomendaram fosse entregue a mim logo.
Em Petrópolis não conhecia ninguém; devia ser dela.
Corri ao meu quarto e achei sobre a mesa uma caixinha de madeira; na tampa havia duas letras de tartaruga incrustadas: C. L.
A chave estava fechada em uma sobrecarta com endereço para mim; comecei a abrir a caixa com a mão trêmula e tomado por um triste pressentimento.
Parecia que dentro daquele cofre perfumado estava a minha vida, o meu amor, toda a minha felicidade.
Abri.
Continha o seu retrato, alguns fios de cabelos e duas folhas de papel escritas por ela e que li de surpresa em surpresa.
Gostei do blog proffs Boa sorte na divulgação
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