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sexta-feira, 5 de março de 2010

Capítulo IV - Cinco Minutos

A noite estava escura.

Era uma dessas noites de Petrópolis, cheia de nevoeiro e cerração.

Caminhávamos mais pelo tato do que pela vista, dificilmente diferenciávamos os objetos a uma pequena distância; e muitas vezes, quando o meu guia se apressava, o seu vulto perdia-se na escuridão.

Em alguns minutos chegamos em frente a um pequeno edifício construído a alguns passos do alinhamento, e cujas janelas estavam esclarecidas por uma luz interior.
É ali.
— Obrigado.

O criado voltou e eu fiquei junto dessa casa, sem saber o que ia fazer.
A idéia de que estava perto dela, que via a luz que a iluminava, que tocava a grama que ela pisara, fazia-me feliz.

É um sentimento único, minha prima! O amor que é insaciável e exigente e não se satisfaz com tudo quanto uma mulher pode dar, que deseja o impossível, às vezes contenta-se com um simples detalhe, com uma dessas emoções delicadas, com um desses nadas, que o coração transforma em um mundo novo e desconhecido.
Não pense, porém, que eu fui a Petrópolis só para ficar olhando uma janela fechada não; enquanto sentia esse prazer, pensava num jeito vê-la e falar com ela.
Mas como?...

Se soubesse todas as maneiras, cada qual mais extravagante, que inventou a minha imaginação! Se visse a elaboração firme com que eu pensava para descobrir uma forma de dizer que eu estava ali e a esperava!
Por fim achei uma; se não era o melhor, era a que eu tinha.
Desde que cheguei, tinha ouvido uns toques de piano, mas tão fraquinhos que pareciam tocados por uma mão distraída que roçava o teclado.
Isto me fez lembrar a bela música de Verdi tocada no dia em que a conheci; e foi quanto bastou.

Cantei, minha prima, ou antes assassinei aquela linda canção; os que me ouvissem iam me achar tomado por alguma loucura; mas ela me compreenderia.
E de fato, quando eu acabei de estragar com minha terrível voz esse trecho magnífico de harmonia e sentimento, o piano, que havia parado, soltou um som brilhante e sonoro, que ecoou no silêncio da noite.
Depois daquela cascata de sons majestosos, que se precipitavam em ondas de harmonia do meio daquele turbilhão de notas que se cruzavam, deslizou, suave e melancólica uma voz que sentia e palpitava, exprimindo todo o amor que respira a melodia maravilhosa de Verdi.
Era ela que cantava!

Oh! não posso contar-lhe, minha prima, a expressão profundamente triste, a angústia de que ela repassou aquela frase de despedida:
Non ti scordar di me.
Addio!...
Partia-me a alma.
Apenas acabou de cantar, vi desenhar-se uma sombra em uma das janelas; saltei a grade do jardim; mas as venezianas descidas não me permitiam ver o que se passava na sala.
Sentei-me sobre uma pedra e esperei.
Não ria, D...; estava resolvido a passar a noite ali ao relento, olhando para aquela casa e alimentando a esperança de que ela viria ao menos com uma palavra compensar o meu sacrifício.
Não me enganei.

Havia meia hora que a luz da sala tinha se apagado e que toda a casa parecia dormir, quando se abriu uma das portas do jardim e eu vi ou antes pressenti a sua sombra na sala.

Recebeu-me com surpresa, sem medo, naturalmente, e como se eu fosse seu irmão ou seu marido. É porque o amor puro tem bastante delicadeza e bastante confiança para dispensar a falsa vergonha de que às vezes costumam cercá-lo.
— Eu sabia que viria, disse-me ela.
— Oh! não me culpe! se soubesse!
— Eu culpar você? Mesmo que não viesse, não tinha o direito de reclamar.
— Por que não me ama!
— Pensa isto? disse-me com uma voz cheia de lágrimas.
— Não! não!... Perdoa!

Perdôo-te, meu amigo, como já te perdoei uma vez; julgas que fujo de você, que me escondo de ti, porque não te amo e, entretanto, não sabe que a maior felicidade para mim seria poder dar-te a minha vida.
— Mas então por que esse mistério?
— Esse mistério, não é uma coisa criada por mim e sim pelo acaso; é porque, meu amigo..., você não deveria me amar.
— Não devo te amar! Mas eu te amo!...
Ela recostou a cabeça ao meu ombro e eu senti uma lágrima cair sobre meu peito.
Estava tão perturbado, tão comovido dessa situação incompreensível, que me senti vacilar e deixei-me cair sobre o sofá.
Ela sentou-se junto de mim; e, tomando-me as duas mãos, disse-me um pouco mais calma:
— Você diz que me ama!
— Juro-te!
— Não é apenas uma ilusão, talvez?
— Se a vida não é uma ilusão, respondi, penso que não, porque a minha vida agora é você, ou antes, a tua sombra.
— Muitas vezes entende-se um capricho por amor; Você não sabe nada de mim, a não ser, como disse, a minha sombra!...
— Que me importa? ..
— E se eu fosse feia? disse ela, rindo.
— Tu és bela como um anjo! Tenho toda a certeza.
— Quem sabe?
— Pois bem; convence-me, disse eu, passando-lhe o braço pela cintura e procurando levá-la para uma sala vizinha, de onde vinham os raios de uma luz.
Ela desprendeu-se do meu braço.

A sua voz tornou-se grave e triste.
— Escuta, meu amigo; falando sério. Você diz que me ama; eu acredito, eu já sabia antes mesmo que me dissesse. As almas como as nossas quando se encontram, se reconhecem e se compreendem. Mas ainda é tempo; não acha que mais vale conservar uma doce recordação do que entregar-se a um amor sem esperança e sem futuro?...
— Não, mil vezes não! Não entendo o que quer dizer; o meu amor, o meu, não precisa de futuro e de esperança, porque viverá sempre!...
—É isso que eu temia; e, entretanto, eu sabia que seria assim; quando se tem a tua alma, ama-se uma só vez.
— Então por que exige de mim um sacrifício que sabe ser impossível?
— Porque..., disse ela com exaltação, porque, se há uma felicidade indefinível em duas almas que ligam sua vida, que se confundem na mesma existência, que só têm um passado e um futuro para ambas, que desde a flor da idade até à velhice caminham juntas para o mesmo horizonte, partilhando os seus prazeres e as suas mágoas, revendo-se uma na outra até o momento em que batem as asas e vão abrigar-se no seio de Deus, deve ser cruel, bem cruel, meu amigo, quando, tendo-se apenas encontrado, uma dessas duas almas irmãs fugir deste mundo, e a outra, viúva e triste, for condenada a levar sempre no seu peito uma idéia de morte, a trazer essa recordação, que, como um manto de luto, envolverá a sua bela mocidade, a fazer do seu coração, cheio de vida e de amor, um túmulo para guardar as cinzas do passado! Oh! deve ser horrível!...

A maneira exaltada com que falava tinha-se tornado uma espécie de delírio; sua voz, sempre tão doce e aveludada, parecia triste e ofegante pelo cansaço da respiração.
Ela caiu sobre o meu peito, com um terrivel acesso de choro e tosse.

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Aluno Elidio