Apresentação

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quarta-feira, 24 de março de 2010

Capítulo VI - Cinco Minutos

Eis o que ela me dizia:
"Devo-te uma explicação, meu querido.
Esta explicação é a história da minha vida, breve história, cuja parte mais bonita foi a sua passagem por ela.
Cinco meses antes do nosso primeiro encontro eu completava os meus dezesseis anos, a vida começava a sorrir para mim.

A educação rigorosa que minha mãe me deu, me conservou menina até àquela idade, e foi só quando ela julgou que era hora de eu conhecer o mundo tal como ele é, que eu perdi as minhas idéias de infância e as minhas inocentes ilusões.
A primeira vez que fui a um baile, fiquei deslumbrada no meio daquela multidão de homens e mulheres, que giravam em torno de mim sob uma atmosfera de luz, de música, de perfumes.

Tudo me causava espanto; esse abandono com que as mulheres se entregavam ao seus pares de valsa, esse sorriso constante e sem expressão que uma moça parece colocar no rosto na porta da entrada para só deixá-lo na saída, esses elogios sempre os mesmos e sempre sobre um tema banal, ao mesmo tempo que me deixavam curiosa, faziam desaparecer o entusiasmo.
Você estava nesse baile; foi a primeira vez que te vi.
Reparei que nessa multidão alegre e barulhenta você só não dançava, e passeava pelo salão como um espectador mudo e indiferente, ou talvez como um homem que procurava uma mulher.

Compreendi você e durante muito tempo, o segui com os olhos; ainda hoje me lembro dos teus menores gestos, da expressão do teu rosto e do sorriso de fina ironia que às vezes fugia dos teus lábios.

Foi a única recordação que trouxe dessa noite, e quando adormeci, os meus doces sonhos de infância, que, apesar do baile, vieram a minha mente, apenas foram interrompidos um instante pela tua imagem, que me sorria.
No dia seguinte renovei a minha existência, feliz, tranqüila e descuidosa, como costuma ser a vida de uma moça aos dezesseis anos.
Algum tempo depois fui a outros bailes e ao teatro, porque minha mãe, queria fazer que eu brilhasse para o mundo.

Quando cedia aos pedidos dela e ia me aprontar, enquanto preparava o meu simples traje, murmurava: — Talvez ele esteja.
E esta lembrança, não só me tornava alegre, mas fazia com que procurasse ficar mais bonita, para merecer um primeiro olhar.
Ultimamente era eu quem, cedendo a um sentimento que não sabia explicar, pedia a minha mãe para sair, só na esperança de encontrar-lo.

Você nem desconfiava então que, entre todos aqueles vultos indiferentes, havia um olhar que te seguia sempre e um coração que adivinhava os teus pensamentos, que se agigantava quando te via sorrir e contraía-se quando uma sombra deixava seu rosto triste.
Se diziam o teu nome perto de mim, ficava vermelha e na minha perturbação julgava que tinham lido esse nome nos meus olhos ou dentro de minh'alma, onde eu bem sabia que ele estava escrito.
E, entretanto, você nem sequer ainda tinha me visto; se teus olhos haviam passado alguma vez por mim, tinha sido em um desses momentos em que a luz se volta para o íntimo, e se olha, mas não se vê.

Consolava-me, porém, que algum dia o acaso nos uniria, e então, alguma coisa me dizia que seria impossível você não me amar.
O acaso aconteceu, mas quando a minha vida já estava completamente transformada.
Ao sair de um desses bailes, apanhei uma pequena constipação, mas não dei importância. Minha mãe teimava que eu estava doente, e eu achava apenas que estava um pouco pálida e sentia às vezes um ligeiro calafrio, que eu curava, sentando ao piano e tocando alguma música de bravura.

Um dia, porém, me senti muito abatida; tinha as mãos e os lábios em febre, a respiração era difícil, e ao menor esforço suava muito com uma transpiração que me parecia gelada.
Atirei-me sobre um sofá e, com a cabeça recostada ao colo de minha mãe, caí em um estado de sono que não sei quanto tempo durou. Lembro-me somente que, no momento em que ia acordando dessa sonolência que se apoderara de mim, vi minha mãe, sentada à cabeceira da minha cama, chorando, e um homem dizia-lhe algumas palavras de consolo, que eu ouvi como em sonho:

— Não se desespere, minha senhora; a ciência não é infalível, nem os meus diagnósticos são irrevogáveis.
Pode ser que a natureza e as viagens a salvem. Mas é preciso não perder tempo.

O homem partiu.
Não tinha compreendido as suas palavras, às quais não faziam o menor sentido.
Passando um instante, ergui tranqüilamente os olhos para minha mãe, que escondeu o lenço e o choro.

— Está chorando, mamãe?
— Não, minha filha, claro que não...
— Você está com os olhos cheios de lágrimas!... disse eu assustada.
— Ah! sim!... uma notícia triste que me contaram há pouco... sobre uma pessoa... que você não conhece.
— Quem é este senhor que estava aqui?
— É o Dr. Valadão, que veio visitar você.
— Então eu estou muito doente, mamãe?
— Não, minha filha, ele garantiu que você não tem nada; é apenas um probleminha de nada.

E minha querida mãe, não podendo mais conter as lágrimas que saltavam dos olhos, fugiu, dizendo que tinha algo importante para fazer.

Então, à medida que a minha inteligência ia ficando clara, comecei a refletir sobre o que tinha acontecido.
Aquele desmaio tão longo, aquelas palavras que eu ouvira quase em sonho, as lágrimas de minha mãe e a sua repentina aflição, o tom condoído com que o médico conversava com ela...
Um raio de luz esclareceu de repente o meu espírito.
Eu estava desenganada.

O poder da ciência, o olhar profundo, seguro, infalível, desse homem que lê no corpo humano como em um livro aberto, tinha visto no meu corpo algo imperceptível.
Era o verme que devia destruir as fontes da vida, apesar dos meus dezesseis anos, apesar de minha beleza e dos meus sonhos de felicidade!".

Aqui terminava a primeira folha, que eu acabei de ler entre as lágrimas que me inundavam os olhos e caíam sobre o papel.
Era este o segredo de sua estranha atitude; era a razão por que fugia sempre, por que se escondia, por que ainda no dia anterior dizia que tinha imposto a si mesma o sacrifício de nunca ser amada por mim.

Que atitude sublime, minha prima! E, como eu me sentia pequeno e mesquinho diante desse amor tão nobre!

sexta-feira, 5 de março de 2010

Capítulo V - Cinco Minutos



Assim ficamos muito tempo imóveis, ela, com a cabeça apoiada sobre o meu peito, eu, sob a impressão triste de suas palavras.
Por fim ergueu a cabeça; e, recobrando a sua serenidade disse-me com um tom doce e cheio de tristeza:
— Não pensa que melhor é esquecer do que amar assim?
— Não! Amar, sentir-se amado, é sempre uma alegria imensa e um grande consolo para a desgraça. O que é triste, o que é cruel, não é essa viuvez da alma separada de sua irmã, não; aí há um sentimento que vive, apesar da morte, apesar do tempo. É, sim, esse vazio do coração que não tem uma afeição no mundo e que passa como um estranho por entre os prazeres que o cercam.

— Que santo amor, meu Deus! Era assim que eu sonhava ser amada! ...
— E me pedia que te esquecesse!...
— Não! não! Fica comigo; quero que me ame ao menos...
— Não me fugirás mais?
— Não.
— E me deixará ver o rosto aquela que eu amo e que não conheço? perguntei, sorrindo.
— Deseja mesmo me ver?
— Imploro-te!
— Não sou eu tua?...

Corri para a saleta onde havia luz e coloquei o lampião sobre a mesa da sala em que estávamos.
Para mim, minha prima, era um momento solene; toda essa paixão violenta, incompreensível, todo esse amor ardente por um vulto de mulher, ia depender talvez de um olhar.
E tinha medo que desaparece, como um fantasma diante da realidade, essa visão poética de minha imaginação, essa criação que resumia todos os tipos.
Foi, portanto, com uma emoção extraordinária que, depois de colocar a luz, voltei-me.
Ah!...
Eu sabia que era bela; mas a minha imaginação apenas tinha esboçado o que Deus criara.

Ela me olhava e sorria.
Era um ligeiro sorriso, uma flor que se abria nos seus lábios, um reflexo que iluminava o seu lindo rosto.
Seus grandes olhos negros fitavam em mim um desses olhares serenos e aveludados que acariciam a alma.
Um anel de cabelos negros brincava-lhe sobre o ombro, fazendo sobressair a brancura de seu colo gracioso.

Tudo quanto a arte tem sonhado de belo desenhava-se nela, naqueles contornos harmoniosos que se destacavam entre as ondas de cambraia de seu roupão branco.
Vi tudo isto de um só olhar, rápido, ardente e fascinado! depois fui ajoelhar-me diante dela e fiquei a contemplá-la.
Ela me sorria sempre e se deixava admirar.
Por fim tomou-me a cabeça entre as mãos e seus lábios fecharam-me os olhos com um beijo.
— Você me ama, disse.
O sonho desapareceu.

A porta da sala se fechou atrás dela. Tinha fugido.
Voltei ao hotel.
Abri a minha janela e sentei-me olhando a noite.
A brisa trazia de vez em quando um aroma de plantas que me causava íntimo prazer.
Fazia lembrar-me da vida no campo, dessa existência doce e tranqüila que se passa longe das cidades, quase no meio da natureza.
Pensava como seria feliz, vivendo com ela em algum canto isolado, onde pudéssemos abrigar o nosso amor em um campo de flores e de relva.
Imaginava um sonho encantador e sentia-me tão feliz que não trocaria a minha cabana pelo mais rico palácio da terra.

Ela me amava.

Só essa idéia embelezava tudo para mim; a noite escura de Petrópolis parecia-me poética e o barulho triste das águas do do canal era agradável aos meus ouvidos.
Uma coisa, porém, perturbava essa felicidade; era um ponto negro, uma nuvem que escurecia o céu da minha noite de amor.
Lembrava-me daquelas palavras tão cheias de angústia e tão sentidas, que pareciam explicar a causa de sua reserva para comigo: havia nisto um qualquer coisa que eu não compreendia.
Mas esta lembrança desaparecia logo sob a impressão de seu sorriso, que eu tinha em minh'alma, de seu olhar, que eu guardava no coração, e de seus lábios, cujo contato ainda sentia.

Dormi embalado por estes sonhos e só acordei quando um raio de sol, alegre e travesso, bateu em meus olhos para dar-me o bom dia.
O meu primeiro pensamento foi ir até a minha casinha; estava fechada.
Eram oito horas.
Resolvi dar um passeio para disfarçar a minha impaciência; voltando ao hotel, o criado me disse que haviam trazido um objeto que recomendaram fosse entregue a mim logo.

Em Petrópolis não conhecia ninguém; devia ser dela.
Corri ao meu quarto e achei sobre a mesa uma caixinha de madeira; na tampa havia duas letras de tartaruga incrustadas: C. L.
A chave estava fechada em uma sobrecarta com endereço para mim; comecei a abrir a caixa com a mão trêmula e tomado por um triste pressentimento.
Parecia que dentro daquele cofre perfumado estava a minha vida, o meu amor, toda a minha felicidade.
Abri.

Continha o seu retrato, alguns fios de cabelos e duas folhas de papel escritas por ela e que li de surpresa em surpresa.

Capítulo IV - Cinco Minutos

A noite estava escura.

Era uma dessas noites de Petrópolis, cheia de nevoeiro e cerração.

Caminhávamos mais pelo tato do que pela vista, dificilmente diferenciávamos os objetos a uma pequena distância; e muitas vezes, quando o meu guia se apressava, o seu vulto perdia-se na escuridão.

Em alguns minutos chegamos em frente a um pequeno edifício construído a alguns passos do alinhamento, e cujas janelas estavam esclarecidas por uma luz interior.
É ali.
— Obrigado.

O criado voltou e eu fiquei junto dessa casa, sem saber o que ia fazer.
A idéia de que estava perto dela, que via a luz que a iluminava, que tocava a grama que ela pisara, fazia-me feliz.

É um sentimento único, minha prima! O amor que é insaciável e exigente e não se satisfaz com tudo quanto uma mulher pode dar, que deseja o impossível, às vezes contenta-se com um simples detalhe, com uma dessas emoções delicadas, com um desses nadas, que o coração transforma em um mundo novo e desconhecido.
Não pense, porém, que eu fui a Petrópolis só para ficar olhando uma janela fechada não; enquanto sentia esse prazer, pensava num jeito vê-la e falar com ela.
Mas como?...

Se soubesse todas as maneiras, cada qual mais extravagante, que inventou a minha imaginação! Se visse a elaboração firme com que eu pensava para descobrir uma forma de dizer que eu estava ali e a esperava!
Por fim achei uma; se não era o melhor, era a que eu tinha.
Desde que cheguei, tinha ouvido uns toques de piano, mas tão fraquinhos que pareciam tocados por uma mão distraída que roçava o teclado.
Isto me fez lembrar a bela música de Verdi tocada no dia em que a conheci; e foi quanto bastou.

Cantei, minha prima, ou antes assassinei aquela linda canção; os que me ouvissem iam me achar tomado por alguma loucura; mas ela me compreenderia.
E de fato, quando eu acabei de estragar com minha terrível voz esse trecho magnífico de harmonia e sentimento, o piano, que havia parado, soltou um som brilhante e sonoro, que ecoou no silêncio da noite.
Depois daquela cascata de sons majestosos, que se precipitavam em ondas de harmonia do meio daquele turbilhão de notas que se cruzavam, deslizou, suave e melancólica uma voz que sentia e palpitava, exprimindo todo o amor que respira a melodia maravilhosa de Verdi.
Era ela que cantava!

Oh! não posso contar-lhe, minha prima, a expressão profundamente triste, a angústia de que ela repassou aquela frase de despedida:
Non ti scordar di me.
Addio!...
Partia-me a alma.
Apenas acabou de cantar, vi desenhar-se uma sombra em uma das janelas; saltei a grade do jardim; mas as venezianas descidas não me permitiam ver o que se passava na sala.
Sentei-me sobre uma pedra e esperei.
Não ria, D...; estava resolvido a passar a noite ali ao relento, olhando para aquela casa e alimentando a esperança de que ela viria ao menos com uma palavra compensar o meu sacrifício.
Não me enganei.

Havia meia hora que a luz da sala tinha se apagado e que toda a casa parecia dormir, quando se abriu uma das portas do jardim e eu vi ou antes pressenti a sua sombra na sala.

Recebeu-me com surpresa, sem medo, naturalmente, e como se eu fosse seu irmão ou seu marido. É porque o amor puro tem bastante delicadeza e bastante confiança para dispensar a falsa vergonha de que às vezes costumam cercá-lo.
— Eu sabia que viria, disse-me ela.
— Oh! não me culpe! se soubesse!
— Eu culpar você? Mesmo que não viesse, não tinha o direito de reclamar.
— Por que não me ama!
— Pensa isto? disse-me com uma voz cheia de lágrimas.
— Não! não!... Perdoa!

Perdôo-te, meu amigo, como já te perdoei uma vez; julgas que fujo de você, que me escondo de ti, porque não te amo e, entretanto, não sabe que a maior felicidade para mim seria poder dar-te a minha vida.
— Mas então por que esse mistério?
— Esse mistério, não é uma coisa criada por mim e sim pelo acaso; é porque, meu amigo..., você não deveria me amar.
— Não devo te amar! Mas eu te amo!...
Ela recostou a cabeça ao meu ombro e eu senti uma lágrima cair sobre meu peito.
Estava tão perturbado, tão comovido dessa situação incompreensível, que me senti vacilar e deixei-me cair sobre o sofá.
Ela sentou-se junto de mim; e, tomando-me as duas mãos, disse-me um pouco mais calma:
— Você diz que me ama!
— Juro-te!
— Não é apenas uma ilusão, talvez?
— Se a vida não é uma ilusão, respondi, penso que não, porque a minha vida agora é você, ou antes, a tua sombra.
— Muitas vezes entende-se um capricho por amor; Você não sabe nada de mim, a não ser, como disse, a minha sombra!...
— Que me importa? ..
— E se eu fosse feia? disse ela, rindo.
— Tu és bela como um anjo! Tenho toda a certeza.
— Quem sabe?
— Pois bem; convence-me, disse eu, passando-lhe o braço pela cintura e procurando levá-la para uma sala vizinha, de onde vinham os raios de uma luz.
Ela desprendeu-se do meu braço.

A sua voz tornou-se grave e triste.
— Escuta, meu amigo; falando sério. Você diz que me ama; eu acredito, eu já sabia antes mesmo que me dissesse. As almas como as nossas quando se encontram, se reconhecem e se compreendem. Mas ainda é tempo; não acha que mais vale conservar uma doce recordação do que entregar-se a um amor sem esperança e sem futuro?...
— Não, mil vezes não! Não entendo o que quer dizer; o meu amor, o meu, não precisa de futuro e de esperança, porque viverá sempre!...
—É isso que eu temia; e, entretanto, eu sabia que seria assim; quando se tem a tua alma, ama-se uma só vez.
— Então por que exige de mim um sacrifício que sabe ser impossível?
— Porque..., disse ela com exaltação, porque, se há uma felicidade indefinível em duas almas que ligam sua vida, que se confundem na mesma existência, que só têm um passado e um futuro para ambas, que desde a flor da idade até à velhice caminham juntas para o mesmo horizonte, partilhando os seus prazeres e as suas mágoas, revendo-se uma na outra até o momento em que batem as asas e vão abrigar-se no seio de Deus, deve ser cruel, bem cruel, meu amigo, quando, tendo-se apenas encontrado, uma dessas duas almas irmãs fugir deste mundo, e a outra, viúva e triste, for condenada a levar sempre no seu peito uma idéia de morte, a trazer essa recordação, que, como um manto de luto, envolverá a sua bela mocidade, a fazer do seu coração, cheio de vida e de amor, um túmulo para guardar as cinzas do passado! Oh! deve ser horrível!...

A maneira exaltada com que falava tinha-se tornado uma espécie de delírio; sua voz, sempre tão doce e aveludada, parecia triste e ofegante pelo cansaço da respiração.
Ela caiu sobre o meu peito, com um terrivel acesso de choro e tosse.

Mito da caverna

Mito da caverna
Aluno Elidio